Sombrinha reaviva esperança e fé do samba de Gonzaguinha em álbum que une gerações de bambas

0
9

Integrante do grupo Fundo de Quintal na década de 1980 lança disco em que canta a obra do compositor carioca que enfrentou a ditadura brasileira nos anos 1970 com obra engajada. Sombrinha canta com Martinho da Vila, Zélia Duncan, Elba Ramalho e Larissa Luz no álbum ‘Viver Gonzaguinha – Os sambas do Morro de São Carlos’
Paulo Pereira / Divulgação Selo Sesc
Capa do álbum ‘Viver Gonzaguinha – Os sambas do Morro de São Carlos’, de Sombrinha
Divulgação
Resenha de álbum
Título: Viver Gonzaguinha – Os sambas do Morro de São Carlos
Artista: Sombrinha
Edição: Selo Sesc
Cotação: ★ ★ ★ ★
♪ Criado no Morro de São Carlos, no Estácio, histórico celeiro de bambas cariocas na primeira metade do século XX, Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior (22 de setembro de 1945 – 29 de abril de 1991) caiu no samba, mas em cadência própria.
Gonzaguinha – como era conhecido o cantor, compositor e músico carioca revelado na era dos festivais dos anos 1960 e projetado ao longo da década de 1970 – nunca fugiu à luta, tendo ido do rancor pela ditadura de 1964 à esperança e a fé em um Brasil melhor na esfera política da obra do artista.
“Melhor se cuidar / No campo do adversário / É bom jogar com muita calma / Procurando pela brecha / Pra poder ganhar”, ponderou o artilheiro nas divisões espertas de Geraldinos e Arquibaldos (1975).
Bamba da geração que despontou ao longo dos anos 1980 dentro e ao redor do Fundo de Quintal, tendo sido integrante da formação original do grupo carioca, Montgomery Ferreira Nunis – o Sombrinha – é paulista, mas se criou no samba do Rio de Janeiro (RJ). Um dos maiores compositores revelados nos nobres quintais cariocas, Sombrinha driblou a (justificada) amargura de Gonzaguinha e se concentrou nos sambas de esperança e fé no povo do Brasil ao selecionar o repertório do álbum que lançará em 24 de janeiro pelo Selo Sesc com 14 músicas do compositor.
Com sete convidados, ouvidos ao longo de 14 faixas, o álbum Viver Gonzaguinha – Os sambas do Morro de São Carlos extrapola a cadência do samba, passando pelo bolero Começaria tudo outra vez (1976), seguindo o balanço do xote em Pense n’eu (1978) – lançado por Luiz Gonzaga (1945 – 1989), pai de Gonzaguinha, e regravado por Sombrinha com Elba Ramalho, voz sobressalente na nação nordestina – e reavivando canções românticas como Lindo lago do amor (1984), na qual o rapper Criolo mergulha com suavidade.
Gonzaguinha (1945 – 1991) tem sambas pouco conhecidos, como ‘Bom dia’ e ‘Pá-nela’, revividos por Sombrinha no disco
Arte de Elifas Andreato
Contudo, o samba é ritmo dominante no disco idealizado e viabilizado por Jair Netto, com produção e direção musical do violonista Carlinhos Sete Cordas. E o álbum se eleva quando Sombrinha reapresenta sambas esquecidos, conhecidos somente pelos seguidores fiéis de Gonzaguinha.
Lançado em 1985 por Neguinho da Beija-Flor no disco Ofício de puxador e pelo próprio Gonzaguinha, em gravação feita com Martinho da Vila para o álbum Olho de lince – Trabalho de parto, Bom dia é um desses sambas e abre o disco em registro lapidar que junta os sete convidados de Sombrinha. Criolo, Elba Ramalho, Larissa Luz, Martinho da Vila, Vidal Assis, Yvison Pessoa e Zélia Duncan ajudam Sombrinha a abrir novas alas para um samba que soa atual em 2024.
Basta ouvir os versos “Apesar de tudo estamos vivos / Pro que der e vier prosseguir / Com a alma cheia de esperança / Enfrentando a herança que taí / (meu deus do céu) / Nós atravessamos mil Saaras / E eu nunca vi gente melhor pra resistir / A tanta avidez, a triste estupidez / Ao cada um por si, ao brilho da ilusão / Digo na maior – melhores dias virão” para entender que a esperança de 1985 se amplificou no Brasil pós-pandemia que procura voltar aos trilhos da sanidade.
Mais raro ainda é o samba Pá-nela (1979), gravado somente pelo cantor Roberto Ribeiro (1940 – 1996) no álbum Coisas da vida. Nem mesmo Gonzaguinha registrou esse samba em que marcou posição política, propondo um “arrasta-pé” em protesto contra a fome. Convidado de Sombrinha na gravação, o batuqueiro Martinho da Vila enfatiza o clima de terreiro de Pá-nela com o arranjo fortemente percussivo de Carlinhos 7 Cordas em outro ponto alto do disco.
Completando o lote de sambas menos conhecidos de Gonzaguinha, há os sambas Tem dia que de noite é assim mesmo (1983) – joia que merece sair do baú – e Fala Brasil (1981).
Assim como Pá-nela, Fala Brasil também foi apresentado por Roberto Ribeiro, no caso no álbum Massa, raça e emoção no mesmo ano de 1981 em que Gonzaguinha gravou o samba em registro feito com o mesmo Roberto Ribeiro para o álbum Coisa mais maior de grande – Pessoa.
Na faixa, Sombrinha convidou Yvison Pessoa para “botar para fora um grito de raça” em gravação que destaca o sopro do clarinete de Dirceu Leite arranjo do tecladista Fernando Merlino.
O mesmo Merlino arranjou Recado (1978), música em que Gonzaguinha mandou avisar que “Se me der um tapa, eu brigo / se me der um grito, não calo / Se mandar calar, mais eu falo”. A participação da militante Zélia Duncan potencializa o recado ativista do compositor.
Sombrinha no estúdio na gravação do álbum ‘Viver Gonzaguinha – Os sambas do Morro de São Carlos’, programado para ser lançado em 24 de janeiro
Paulo Pereira / Divulgação Selo Sesc
Em linha mais romântica, a canção-toada Espere por mim, morena (1976) pede uma ternura oferecida mais pela voz aveludada do convidado Vidal Assis do que pelo próprio Sombrinha, que divide com Larissa Luz a celebração da vida de O que é o que é (1982), samba mais batido do repertório e revivido de forma trivial.
Sozinho, Sombrinha roça a empolgação de E vamos à luta (1980), pisa firme na avenida com O Homem falou (1985) – samba-enredo amplificado na voz de Maria Rita a partir da regravação feita para o álbum Samba meu (2007) – e persegue a ironia destilada na raiva de Comportamento geral (1972), primeiro marco da obra engajada de Gonzaguinha.
Já o samba Com a perna no mundo (1979) soa deslocado na voz de Sombrinha, por ter letra autobiográfica em que o moleque Gonzaguinha celebrou vitórias nas batalhas enfrentadas com a obra, coisa mais maior de grande da música brasileira ora reavivada por Sombrinha neste disco que une gerações de bambas para mantear hasteadas as bandeiras da democracia e da resistência, levantadas pelo compositor nos anos 1970 e 1980.

Fonte: G1 Entretenimento