Almério e Martins atravessam, com harmonia cúmplice, portal aberto por Alceu Valença

0
26

Expoentes da cena pernambucana, cantores e compositores apresentam no Rio de Janeiro show calcado na teatralidade e nas emergentes obras autorais dos artistas. Almério (à esquerda) e Martins em momento afetuoso do show apresentado no Sesc Copacabana, no Rio de Janeiro, na noite de ontem, 17 de outubro
Washington Possato / Divulgação
Resenha de show
Título: Almério e Martins
Artistas: Almério e Martins
Local: Sala Multiuso do Sesc Copacabana (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 17 de outubro de 2023
Cotação: ★ ★ ★ ★
♪ “Bonito…”, saudou serenamente Alceu Valença, como se falasse consigo mesmo, sentado em cadeira da lotada Sala Multiuso do Sesc Copacabana quando Almério e Martins terminaram de cantar a música Interessante e obsceno (Martins, 2020) na cadência do xote.
Na plateia do show Almério e Martins, reapresentado pelos artistas pernambucanos na cidade do Rio de Janeiro (RJ) na noite de ontem, 17 de outubro, Alceu teve a presença saudada no palco pelos conterrâneos de forma enfática. Como ressaltou Almério, Alceu Valença abriu caminhos, um portal, ao surgir na década de 1970 com som elétrico que repaginou os ritmos nordestinos com a energia do rock e acento universal.
Artistas revelados ao longo dos anos 2010 na efervescente cena musical do Recife (PE), Almério e Martins atravessam em harmonia o portal aberto por Alceu neste sedutor show criado em 2020 na capital de Pernambuco para a 26ª edição do festival Janeiro de Grandes Espetáculos, tendo sido idealizado pelo diretor artístico André Brasileiro e orquestrado sob direção musical de Juliano Holanda.
Três anos depois, já eternizado em álbum gravado ao vivo em 2021 no mesmo Recife (PE) e lançado em 2022, o show Almério e Martins conserva o frescor, a cúmplice sintonia entre os cantores e a teatralidade perceptível já na abertura, quando Almério – também ator – recita em off versos da letra de O habitat da felicidade (Lula Queiroga e Lucky Luciano, 2001) antes de, já unido a Martins no palco, incendiar a cena com abordagem de Anjo de fogo (1977), tema pouco conhecido de Alceu Valença, de cujo cancioneiro os artistas também reavivam Amor covarde (1986) em outro grande momento.
Em que pesem as recriações destes dois lados B de Alceu e a reabertura de Livros (Caetano Veloso, 1997), Almério e Martins se afinam em cena sem apelar para hits alheios. Turbinado na volta do show ao Rio de Janeiro (RJ) com imperativa música inédita de Martins, Suma, o roteiro é calcado nas respectivas e emergentes obras autorais dos dois artistas e de compositores da cena pernambucana contemporânea, caso do recorrente Juliano Holanda, autor do baião-coco Do avesso (2017) e parceiro de Almério e Martins em Desaperreio (2020), música apresentada na estreia nacional do show há três anos.
Almério (à esquerda) e Martins cantam músicas de Alceu Valença e Caetano Veloso em show de roteiro essencialmente autoral
Washington Possato / Divulgação
Não há apelações, artifícios ou truques em cena. É só música, como reiteraram no verso-refrão-título da composição de Almério, Joana Terra e Priscila Freitas – também lançada na estreia do show em 2020 – no ritmo das palmas da plateia.
No palco, entre solos e duetos, o público viu dois artistas entrosados que vem desafiando o império pop-funk-sertanejo do Brasil e, mesmo em nichos, estão se impondo com cancioneiros orgânicos, construídos com doses equilibradas de melodia e poesia – como atestou o canto de Deixe (2020) na voz de Martins, parceiro de Juliano Holanda nessa aliciante canção incrementada no show com todo o sentimento do toque da guitarra de Pedro Braga, músico sobressalente na cena também povoada pelo baixista Berval Moraes.
Alternando canções mais serenas com músicas apresentadas com a eletricidade do rock, como Um tapa na cara (Almério e Juliano Holanda, 2020), o show fluiu bem até o bis que arrematou a apresentação com o ijexá Me dê (Martins, 2019) após o revival de sucessos alternativos – casos de Estranha toada (Martins, 2019) e Queria ter pra te dar (Martins, 2019) – que reiteraram o talento do recifense Thiago Emanoel Martins na arte da composição.
Com suave “voz de príncipe”, como bem caracterizou em cena Almério, Martins jamais se deixou ofuscar no palco pela teatralidade do parceiro de cena. É da interação elegante entre os artistas que se alimenta Almério e Martins, show em que os dois artistas conciliam diferenças e realçam afinidades para atravessar com unidade, em harmonia cúmplice, o portal aberto pelo pioneiro Alceu Valença há 50 anos.
Almério (à esquerda) e Martins no palco da Sala Multiuso do Sesc Copacabana na volta do show ‘Almério e Martins’ ao Rio de Janeiro
Washington Possato / Divulgação

Fonte: G1 Entretenimento